Resumindo a Notícia As fortes chuvas ocorridas recentemente têm deixado rastros de destruição por todo o estado de São Paulo. Desabamentos, crateras e até mortes são consequências de uma infraestrutura desatualizada, que não suporta as altas quantidades de chuva condicionadas pelo novo quadro climático do planeta, segundo especialistas ouvidos pelo R7. No final da tarde da quarta-feira (8), a chuva intensa que atingiu a zona leste da capital paulista fez com que o muro da arquibancada de um campo de futebol localizado na comunidade do Jardim Sinhá desabasse. Junto a ele, o asfalto também cedeu. “O campinho aqui é praticamente o nosso quintal de casa e representa tudo para nós. Reformamos há menos de 3 meses e foi um sonho. Agora, a comunidade fica triste porque a alegria era o campeonato do final de semana”, contou o morador Kaique de Camargo Pinheiro. O campo foi interditado pela Defesa Civil e não tem data para ser liberado. Há um motivo para que casos de asfaltos desabando e formação de crateras nas ruas se tornem cada vez mais comuns. De acordo com o engenheiro civil Celso Santos Carvalho, o sistema de drenagem urbana do estado de São Paulo está em descompasso com o novo cenário climático atual: chuvas mais intensas e em maior quantidade em um curto espaço de tempo. “Estamos sentindo os efeitos de um novo tipo de clima sobre o qual os cientistas já nos alertavam lá atrás. As chuvas estão cada vez mais fortes e mais frequentes, e o sistema de drenagem urbana não está mais dando conta desta demanda”, afirmou o engenheiro. As rachaduras nas vias têm relação direta com as mudanças climáticas, segundo a meteorologista Daniela Freitas, uma vez que o sistema atual de drenagem urbana não consegue mais suportar os eventos extremos de chuva acontecendo de forma gradual.  A especialista em mudanças climáticas explica que, de 100 anos para cá, a quantidade de chuva não mudou muito. A diferença é que antigamente o fenômeno era muito mais bem distribuído do que é hoje. “Antes, a chuva acontecia ao longo de todos os dias do mês de forma um pouco mais regular. Por mais que tivesse um dia ou outro com precipitação um pouco mais acentuada, ainda assim não era uma chuva tão extrema e volumosa em um curto espaço de tempo como atualmente”, disse. De acordo com dados do CGE (Centro de Gerenciamento de Emergências), da Prefeitura de São Paulo, os últimos meses têm sido de chuva acima da média na cidade. Março segue com chuva em todos os dias até o momento e já acumulou 56,3mm, o que equivale a 31,7% da média dos 177,6mm esperados para o mês. O sistema de drenagem urbana foi projetado exatamente para coletar as águas provenientes da chuva, que caem nos telhados das casas, passam para a calha, vão para a sarjeta e chegam aos dutos subterrâneos, que as conduzem para galerias e esgotos de águas pluviais.  Os tubos já não são capazes de comportar essa maior quantidade de chuva intensa que vem sendo observada nos últimos meses. “Tem mais água chegando, mais rápido e com mais intensidade do que antes. A água entra e faz pressão nos dutos subterrâneos que não conseguem comportá-la e acabam transbordando. A água se acumula no solo, deixando-o  encharcado e escorregadio, suscetível ao desabamento e formação de crateras”, explicou Celso. A ocupação desordenada em áreas urbanas é um fator que potencializa casos de formação de cratera nas ruas e desabamentos. A aglomeração populacional tem por consequência a impermeabilização do solo, o que impede o escoamento das águas da chuva para locais propícios. “A ação do homem, como construções e desmatamentos, acaba influenciando neste cenário, já que cada vez mais as áreas impermeabilizadas estão ganhando espaço, e as vegetações ficando mais escassas”, afirma a meteorologista Maria Clara Sassaki. Para a também meteorologista Daniela Freitas, as cidades estão crescendo de uma forma que a estrutura não está preparada para receber essas chuvas um pouco mais volumosas. Um exemplo desse fato é o desastre que aconteceu no litoral norte de São Paulo, em fevereiro deste ano. Casas construídas em encostas de morros foram devastadas pela lama, crateras foram formadas nas ruas e ao menos 65 vidas foram perdidas. “Uma vez que áreas inapropriadas para se viver estão sendo ocupadas, quando recebem volumes muito grandes de chuva ficam cada vez mais suscetíveis a esses acontecimentos”, disse Daniela. Para cada reação da natureza, existe uma ação do ser humano. “Essa oscilação que acontece na distribuição de precipitação ao longo de um ponto é uma resposta de uma própria consequência antropogênica. Isso é uma resposta do que nós mesmos estamos fazendo com o planeta”, afirmou Daniela. A meteorologista explica que o desequilíbrio desenfreado das chuvas está relacionado ao aumento da temperatura média global provocado pelas altas emissões de gases do efeito estufa. “Se aquece algum ponto, a atmosfera busca resfriar de alguma forma, seja por meio de evaporação, precipitação ou formação de ventos extremos”, disse. Para além da emissão de gases e desmatamento, a quantidade de lixo nas ruas também influencia na formação de crateras nos asfaltos, uma vez que podem ser levados pela água e entupir a infraestrutura de drenagem. Sendo assim, o arquiteto Nabil Bonduki, professor de planejamento urbano da USP e relator do Plano Diretor Estratégico de São Paulo, acredita que o sistema de gestão dos resíduos sólidos nas cidades precisa mudar. “Hoje todo mundo coloca o lixo para fora de casa no meio fio, esperando a coleta passar. Quando chove, esse lixo no chão é levado na primeira enxurrada, o que entope as bocas de lobo, fazendo com que a água suba mais rapidamente”, explicou. O arquiteto Nabil Bonduki não nega a existência de um problema grave no sistema de drenagem urbana. Segundo ele, as galerias não aguentam a vazão da água em função das chuvas intensas porque elas foram dimensionadas para um outro período e para uma outra cidade. Como alternativa, o especialista sugere a manutenção e construção de piscinões que redirecionam e impedem que o sistema de drenagem fique sobrecarregado. “O que a prefeitura precisa agora é corrigir os erros do passado, realizando uma grande ação dos sistemas em áreas precárias e promover projetos de cobertura vegetal. É preciso ter um maior rigor na aprovação de projetos  para garantir que novas estruturas de drenagem contemplem a nova situação climática que vivemos”, explicou. Assim como Nabil, o engenheiro Celso Santos Carvalho sugere a atualização dos planos diretores – que ditam o crescimento da cidade e a função dos bairros. Ele pede, ainda, a modernização do sistema de drenagem urbana para as novas demandas impostas pelas mudanças climáticas. “Mudou o clima, então todos os nossos parâmetros de projetos e infraestrutura precisam ser readaptados, refeitos e atualizados. A gente precisa redimensionar todo o sistema e atualizar os mapas de risco”, afirmou. Por meio do site GeoSampa, o Governo do Estado de São Paulo disponibiliza um mapa que mostra áreas de risco geológico e hidrológico. “Vale fazer uma discussão sobre os critérios de mapeamento e adequá-los a este novo cenário”, disse o especialista. Além disso, Carvalho chama a atenção para um fator crucial para que mortes e desastres sejam evitados: a previsão do tempo. Com os estudos da meteorologia, segundo Maria Clara, é possível prever eventos extremos e quais áreas serão afetadas com antecedência. Dessa forma, pessoas conseguem se prevenir, isolar zonas de risco e evitar fluxos propícios a alagamentos. Durante o temporal da quarta-feira (8), por exemplo, uma idosa morreu afogada dentro do próprio carro, em uma enchente na rua Gaivota, em Moema, bairro nobre da zona sul de São Paulo, por volta das 18h. Daniela destaca a importância de acompanhar os avisos divulgados pelos órgãos públicos para que as pessoas estejam preparadas para os fenômenos extremos, antes que eles aconteçam.  “Quando a gente solta esses alertas, as pessoas conseguem se precaver, se prevenir, conseguem tomar uma decisão antes de acontecer alguma coisa. Isso sim ajuda a reduzir até a possibilidade de mortes”, afirmou. De acordo com a Prefeitura de São Paulo, os investimentos em obras de drenagem vem aumentando com o objetivo de aprimorar a capacidade e funcionamento do sistema. Em 2023 a expectativa é que os investimentos da SIURB (Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras) superem R$ 1 bilhão. A SMSUB (Secretaria Municipal das Subprefeituras), realiza o trabalho preventivo através da limpeza de galerias, ramais, bocas de lobo e poços de visita, além da poda de árvores e corte de grama. O órgão também trabalha na construção de novos reservatórios e canalização de córregos. Na visão do arquiteto e professor Arnaldo Machado, as ações da prefeitura, que andam em corresponsabilidade com o Estado, ainda tem deixado a desejar quando o assunto é a poluição no sistema de drenagem urbana. “O mundo está limpando seus córregos, tratando, despoluindo… a gente está muito atrasado nisso”, comentou.  O R7 questionou o Governo do Estado de São Paulo sobre novos projetos para o sistema de drenagem urbana e planos de prevenção contra desastres causados pela chuva, mas não obteve retorno. *Estagiária sob supervisão de Márcio Pinho

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