Documento obtido pelo g1 afirma que, durante o governo Bolsonaro, pasta gerou ‘impactos negativos’ para as políticas de preservação da Amazônia Legal ao não reestruturar comitês-bases do fundo. Cerca de US$ 20 bilhões também estão impedidos de serem captados pelo programa.

Um relatório de auditoria elaborado pela Controladoria Geral da União (CGU) aponta que a gestão do Ministério do Meio Ambiente do governo Bolsonaro colocou em risco a continuidade do Fundo Amazônia e, por conseguinte, uma série de políticas ambientais, ao extinguir de forma unilateral, “sem planejamento e fundamentação técnica” colegiados que formavam a base dessa iniciativa de financiamento.

Criado há cerca de 14 anos para financiar ações de redução de emissões provenientes da degradação florestal e do desmatamento, o Fundo Amazônia é considerado uma inciativa pioneira na área, mas está paralisado desde abril de 2019, quando o governo federal fez um “revogaço” de centenas de conselhos federais e com isso extinguiu seus Comitê Orientador (COFA) e Comitê Técnico (CTFA).

De acordo com a CGU, até o último mês de dezembro, o Fundo tinha cerca de R$ 3,2 bilhões parados para a destinação a novos projetos. O montante considera rendimentos gerados ao longo dos últimos anos. Além disso, o relatório aponta ainda que o Fundo possui um crédito de valores a serem arrecadados que podem chegar à ordem dos US$ 20 bilhões.

O documento, obtido pelo g1 e que inicialmente havia sido despublicado no site da CGU (após ser questionado pela reportagem, o órgão alegou “procedimentos técnicos internos” e disponibilizou novamente o link do arquivo), mostra que durante a gestão dos ministros Ricardo Salles e nos primeiros meses de Joaquim Leite, entre 2019 e 2021, o ministério deixou de apresentar a proposta de recriação dos dois conselhos, mesmo após o fim do prazo legal estabelecido para isso, em 28 de maio de 2019, criando esses ‘impactos negativos’ para as políticas de preservação da Amazônia Legal.

Apesar disso, os técnicos da CGU chamam atenção no texto para o fato de que o primeiro registro de reunião realizada com as embaixadas dos países europeus e o Ministério aconteceu somente após o fim do prazo de reestruturação estabelecido pelo decreto que extinguiu o COFA e o CTFA.

Somado a isso, a CGU também aponta que até a data limite não houve esforços por parte da gestão ministerial na busca de consenso com os doadores, ou, ao menos, a apresentação de propostas para a modificação da estrutura de governança do Fundo.

“Enquanto o conselho e o comitê técnico para calcular os resultados do desmatamento estiverem fechados, não há lugar para onde enviar o pagamento”, declarou a época o ministro do Clima e Meio Ambiente da Noruega, Ola Elvestuen.

Para a CGU, a opção do Ministério do Meio Ambiente pela extinção dos comitês foi adotada sem justificativa técnica ou planejamento que incorporasse uma gestão adequada dos riscos associados à decisão.

“O que provocou a suspensão de autorização de novos projetos no âmbito do Fundo e colocou em risco os resultados das políticas públicas por ele apoiadas”, afirma o texto.

No relatório, os auditores também avaliam que não reestruturar os conselhos contribuiu para que o Ministério do Meio Ambiente apresentasse através do fundo propostas “não condizentes com a realidade da região amazônica”, visto que houve um afastamento da participação da sociedade civil e dos estados.

Antes da revogação do governo, o Comitê Orientador (COFA) tinha representantes do governo federal, dos governos estaduais e da sociedade civil. Já o Comitê Técnico era formado por representantes do governo e da sociedade civil, como especialistas independentes que avaliavam o impacto de emissões de gases do efeito estufa resultante do desmatamento.

“A participação da sociedade civil e dos estados no Comitê possibilitava o alcance de mais legitimidade e eficácia nos resultados do Fundo Amazônia, pois tais atores contribuíam com sua experiência acumulada na região amazônica, ajudando na definição de prioridades e legitimando a seleção dos projetos”, afirma o documento da CGU.

Para Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação, o relatório apresenta uma síntese do histórico de desmonte do governo federal das políticas ambientais na Amazônia e revela um “plano concreto” para impedir que os projetos financiados pelo fundo avançassem e tivessem uma boa gestão.

“E o resultado disso, na prática, é o que a gente está vendo hoje com o aumento do desmatamento nas alturas”, avalia.

Embora a deliberação tenha sido celebrada por ambientalistas, na prática, conforme explica a especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo, desde então, “nada mudou”, pois o julgamento precisa ser completado pela decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54 que pede a reativação do Fundo Amazônia.

“Enquanto isso, permanece bem sucedido o projeto nefasto do governo de implodir com a política ambiental, do qual a paralisação do Fundo Amazônia é um dos símbolos mais claros. Optar por não usar R$ 3,3 bilhões disponíveis, necessários, é uma decisão criminosa, na minha opinião. Quem tomou as decisões precisa ser devidamente responsabilizado”, pontua a especialista.

“Essas ações o STF são o fôlego, o respiro e a esperança de que teremos o cumprimento da lei e daquilo que foi acordado”, acrescenta Kuczach.

 

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