No dia 05 de dezembro comemoramos o Dia Nacional da Pastoral da Criança e o Dia Mundial do Voluntariado. Por ocasião desta data lembrei-me de uma fato ocorrido em 1990. Achava que devido minha pouca idade, 18 anos, para quem não era enfermeiro ou médico, houvera realizado um ato extraordinário. Até que conheci as mulheres da Pastoral da Criança, trabalhadoras voluntárias por opção e amor.
Eu trabalhava como Agente Comunitário de Saúde no então Posto de Saúde Major Sálvio Belota, próximo de minha casa, em Santa Etelvina. Nas visitas as centenas de famílias pelas ruas do bairro, não era raro encontrar crianças em estado de desnutrição, fora da escola, em famílias desagregadas pelo flagelo do desemprego, da miséria e da fome.
Certo dia, uma mãe me deteve na rua e suplicou socorro para seu filho. Saímos correndo de frente da casa do seu José paulino, onde hoje fica a Feira Comunitária Municipal Padre Rogério, na rua samambaia, e fomos a casa da jovem mãe que ficava depois do terminal de ônibus do bairro. Ao chegar no local, deparei-me com uma criança de cerca de 1 ano de idade, deitada no chão sobre um pedaço de papelão em estado avançado de desnutrição. Estava fraca, quase sem forças para chorar.
Uma outra colega, Agente Comunitária de Saúde, já havia prestado os primeiros socorros mas não conseguia encontrar a veia da criança para aplicar o soro. Se dirigindo a mim, pediu que eu aplicasse o soro por via intravenosa, um procedimento que poderia reanimar a criança convalescida até que conseguíssemos uma ambulância (naquele tempo não existia o SAMU).
Diante do temeroso quadro, fiz uma oração: “Senhor guia minhas mãos para não errar a veia desta criança. Salva Senhor esta vida”. Na primeira inserção, consegui aplicar o soro. Que alívio para todos nós presentes. Horas depois chegava a ambulância pare levar a mãe e a criança.
Com o tempo descobri uma legião de mais de 260 mil voluntários capacitados que enfrentavam adversidades infinitamente superiores a que eu enfrentei. E mais, atuando em 40.853 mil comunidades organizadas de 4.066 municípios. Já imaginou o que é acompanhar mensalmente quase 100 mil gestantes e mais de 1,8 milhões de crianças pobres menores de seis anos de idade, recebendo orientações sobre o valor nutritivo dos alimentos, ajudando a identificar a desnutrição, a fortalecer o aleitamento materno, controle de doenças respiratórias e diarreia, prevenção de acidentes domésticos e tantos outras ações simples, baratas e facilmente replicáveis, em cerca de 4.066 cidades por todo o país?
Minha nossa! Somente pessoas desprovidas de apegos egoístas é que conseguem sair de si mesmas para amar e ajudar seu próximo. Do total de voluntários, 134.393 são líderes comunitários, pessoas simples, em sua maioria mulheres (92%), que vivem nas próprias comunidades onde atuam. A Pastoral cresceu e hoje, após 38 anos, está presente em 20 países diferentes, na África, Ásia, América Latina e Caribe.
E hoje, a Pastoral da Criança celebra seus 38 anos de presença nas comunidades mais pobres do Brasil e do mundo.
E como nasceu a Pastoral? Ela nasceu da conjunção de esforços para diminuir cada vez mais a mortalidade infantil no Brasil. Na época o Cardeal de São Paulo Dom Paulo Evaristo Arns ,em 1982, convidou sua irmã, a médica sanitarista Zilda Arns, para levar adiante objetivo. O projeto iniciou na Paróquia de São João Batista, em 1983, na cidade de Florestópolis, no Paraná, escolhida pela Pastoral porque nela era constatada então uma grande taxa de mortalidade infantil – 127 crianças em cada mil nascimentos. Um ano depois esta cifra já havia surpreendentemente diminuído para 28 crianças entre cada mil que nasciam.
Com este completo êxito, a atuação da Pastoral se disseminou para várias outras áreas do Brasil, com auxílio constante dos bispos. De 2008 para cá a Pastoral começou a ser liderada pela Irmã Vera Lúcia Altoé, em substituição à Dra. Zilda Arns Neumann. A jornada desta entidade continua a colecionar histórias de vida, impregnadas de amor, solidariedade, esperança e amor, de pessoas sempre dispostas a vencer desafios e transcender dificuldades.
Aqui no Amazonas são 2.500 líderes voluntárias que atuam em todos os municípios. E mesmo com todos os esforços para alcançar as mais de 290 mil crianças de 0 a 6 anos de idade que vivem na pobreza, a Pastoral da Criança conseguiu atender apenas 12.500 crianças besta faixa, um pouco mais de 4% do total de crianças pobres. Em Manaus, são atendidas cerca de 2.700 crianças.
Nestas últimas linhas, deixo uma afirmação da própria CNBB: “Precisamos ter presente que a solução dos problemas enfrentados pelas crianças em situação de vulnerabilidade necessita ser buscada de duas formas: a primeira é uma mudança a nível de macroestruturas do país, de forma a possibilitar uma justa distribuição de rendas. Mas ao lado disso, faz-se necessário a soma de esforços de todos os segmentos sociais, atingindo a família, procurando junto aos pais, mães, parentes e vizinhos soluções capazes de garantir melhoria na qualidade de vida das crianças, comprometendo a todos numa nova ética social e na construção de uma cultura centrada no respeito e valorização da vida. O resgate da cidadania, com a participação de todos nos bens-comuns que não podem continuar à disposição apenas de uma parcela, da sociedade, exige o cuidado com as crianças desde a gestação. Elas são os recursos humanos do futuro e, portanto, a maior riqueza material e espiritual das famílias e do País”.
Com admiração me curvo aos trabalho da Pastoral da Criança. Ela merece todo respeito, apoio e reconhecimento da sociedade pois são pessoas voluntárias que lutam para melhorar e salvar a vida de milhares de crianças espalhadas pelo mundo. Gratidão a Dra Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança, e que infelizmente morreu no terremoto ocorrido no Haiti quando estava sendo implantada a Pastoral naquele país. Gratidão a Irmã Vera Lúcia Altoé que a substituiu. Gratidão a Coordenadora Nacional da Pastoral, a Irmã Veneranda Alencar. Gratidão a coordenadora no Amazonas, Maria Inês Monteiro de Freitas e gratidão a Lucia Cleide da Silva Soares Coordenadora na Arquidiocese de Manaus. E Gratidão as mais de 260 mil pessoas voluntárias da Pastoral da Criança.
Bibiano Garcia é filósofo, professor da rede pública municipal. Ex vereador de Manaus e ex secretário executivo adjunto de educação. É Missionário Leigo Redentorista. Ministro extraordinário da Palavra e da Sagrada Eucaristia.
3 Comentários
Neste País cheio de desigualdades sociais, onde infelizmente há pessoas passando fome, é muito triste e dói no coração ver crianças, as mais frágeis diante dessa realidade cruel e desumana, pois tudo isso que está acontecendo é consequência das políticas públicas do Município, Estado e União, que não estão cumprindo seu papel constitucional de zelar pela vida humana, seja de adultos ou de crianças.
Diante de tudo isso, meus parabéns e meu orgulho, não humano, mas de Deus, pela Pastoral da Criança, por todos aqueles que com recursos próprios ou de particulares, fazem o possível e o impossível para melhorar, minimizar as condições de vida de nossas crianças, sei que o objetivo não é 100% alcançado por causa da limitação dos recursos, mas o minimo conquistado, são vidas salvas e a certeza de que estão no caminho certo.
Deus abençoe a todos (as) que estão nessa caminhada.
Deus ilumine e recompense com a vida eterna aqueles que já partiram.
Meus parabéns e gratidão 👏👏👏👏👏👏
Que maravilha,ainda existem pessoas que pensam no próximo,parabéns professor Bibiano pela sua atitude.
Realmente é um trabalho muito bonito, esse que a Pastoral da Criança realiza. E mesmo com poucos recursos, as agentes conseguem atingir grande parte das nossas periferias. A Lúcia Cleide não mede esforços para desempenhar da melhor maneira seu trabalho.