O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o retorno da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) como mecanismo de cooperação entre os países da América do Sul. Lula é o anfitrião de um encontro com mais de dez líderes dos países da região, nesta terça-feira (30), no Palácio Itamaraty, em Brasília.

Os líderes sul-americanos atenderam a um convite feito pelo presidente brasileiro, que busca retomar a cooperação dentro do continente em áreas como saúde, mudança do clima, defesa, combate aos ilícitos transnacionais, infraestrutura e energia, entre outros.


Presidentes da Argentina, Alberto Fernández, do Chile, Gabriel Boric, e do Paraguai, Mário Abdo Benítez, no Palácio Itamaraty – Marcelo Camargo/Agência Brasil

“E não é preciso recomeçar do zero. A Unasul é um patrimônio coletivo. Lembremos que ela está em vigor e sete países ainda são membros plenos. É importante levar seu processo de construção, mas, ao fazê-lo, é essencial avaliar criticamente o que não funcionou e levar em conta essas lições.”

“Precisamos de câmbio de força flexível, que conferimos agilidade e força na execução de iniciativas. Nossas decisões só terão de ser tomadas e integradas democraticamente”, acrescentou o presidente, defendendo ainda que os envolvimentos da sociedade civil, sindicatos, empresários, acadêmicos e parlamentares “darão suporte” ao esforço de integração. “Ou os processos são construídos de baixo para cima, ou não são viáveis ​​e aguardarão fadados ao fracasso”, afirmou.

Participam da reunião, os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Luís Arce (Bolívia), Gabriel Boric (Chile), Gustavo Petro (Colômbia), Guillermo Lasso (Equador), Irfaan Ali (Guiana), Mário Abdo Benítez (Paraguai), Chan Santokhi (Suriname), Luís Lacalle Pou (Uruguai) e Nicolás Maduro (Venezuela).

A única ausência em nível presidencial é a do Peru, cuja presidente Dina Boluarte está impossibilitada de comparecer por questões constitucionais. O Peru vive uma crise política desde a destituição do agora ex-presidente Pedro Castillo no fim do ano passado. No lugar de Dina Boluarte, virá o presidente do conselho de ministros do país, Alberto Otárola.

Apesar da proporção do fortalecimento da Unasul, Lula disse que não há ideias preconcebidas sobre o desenho institucional que poderia ser adotado e que esse encontro servirá para conhecer a opinião de todos.

“Estou, no entanto, diagnosticado a necessidade de um foro que nos permite discutir com fluidez e regularidade e orientar a atuação de nossos países para o fortalecimento da integração em várias de suas dimensões”, disse, defendendo a criação de um grupo de alto nível, a ser integrado por representantes pessoais de cada presidente, “para dar seguimento ao trabalho de reflexão.”

“Com base no que decidimos hoje, esse grupo terá 120 dias para apresentar um mapa do caminho para a integração da América do Sul”, disse.

Os protocolos de recepção no Palácio do Itamaraty atenderam às 9h. Na parte da manhã, Lula fez o discurso de abertura, seguido de uma sessão de trabalho com a intervenção de todos os presentes. À tarde, está prevista uma conversa mais informal entre os presidentes, em formato reduzido.

À noite, os chefes de Estado que permanecerem em Brasília devem participar de um jantar oferecido por Lula e pela primeira-dama, Janja Lula da Silva, no Palácio da Alvorada, residência oficial.

Durante seu discurso, o presidente brasileiro avaliou ainda que divergências políticas e ideológicas dificultaram o processo de integração com o continente nos últimos anos. “Abandonamos canais de diálogo e negociação de cooperação e, com isso, todos perdemos”, disse. “Tenho a firme promessa de que precisamos reavivar nosso compromisso com a integração sul-americana. Os elementos que nos unem estão acima de divergências de ordem ideológica.”, acrescentou, lembrando que em agosto o Brasil também sediará a Cúpula dos Países Amazônicos.

mecanismo de cooperação

Desde o início de seu terceiro governo, Lula vem defendendo o aprimoramento das relações entre os países da América do Sul. Nesse contexto, o Brasil voltou a integrar a Unasul e também a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac)

Não há confirmação se a cúpula divulgará um documento oficial ao termo do encontro, previsto para as 18h. Há a expectativa de que os presidentes discutam formas mais concretas de ampliar a integração, incluindo a possibilidade de criação ou garantia de um mecanismo sul-americano de cooperação, que reúna todas as nações da região. Atualmente, não existe nenhum bloco com essas características.

A Unasul, criada em 2008, no segundo mandato do presidente Lula, foi se desintegrando ao longo do tempo, em meio a mudanças de governo em diversos países, e agora reúne apenas sete: Venezuela, Bolívia, Guiana, Suriname, Peru, além de Argentina e Brasil que participaram do grupo recentemente.

O presidente lembrou que o continente já contorna e ainda conta com várias iniciativas para ações articulares em âmbito sub-regional. “A Comunidade Andina de Nações, o Tratado de Cooperação Amazônica e o Mercosul ilustram esse regionalismo de abrangência e propósitos diversos”, afirmou, citando ainda os avanços realizados no âmbito da Unasul.

“Por mais de dez anos, a Unasul permitiu que nos conhecemosssemos melhor. Consolidamos nossos laços por meio de amplo diálogo político que acomodava diferenças e permitia identificar denominadores comuns. Implementamos iniciativas de cooperação em áreas como saúde, infraestrutura e defesa. Essa integração também contribuiu para ganhos comerciais importantes. Formamos uma robusta área de livre-comércio, cujas cifras alcançaram valor recorde de US$ 124 bilhões em 2011”, disse.

Lula destacou também a redução das desigualdades e da pobreza, do desmatamento, e o papel do grupo como foro de solução de controvérsias entre os países da região. “Foram feitos formidáveis ​​para uma região herdeira do colonialismo e marcados por graves formas de violência, identidade de gênero e racismo. Não resolvemos todos os nossos problemas, mas nos dispusemos a enfrentá-los, em vez de ignorá-los. E conversamos sobre fazer isso cooperando entre nós”, disse.

O presidente lembrou que o contexto atual do mundo é mais desafiador, com a falta de representatividade dos foros de governança global , as crises geradas pela pandemia de covid-19, a urgência das questões climáticas, o retrocesso do multilateralismo e crescente as posturas protecionistas nos países ricos, além de conflitos como a guerra na Ucrânia que resultaram em cadeias de suprimentos.

“A região parou de crescer, o diminuiu e subiu subiu. Alguns dos principais avanços sociais logrados na década passados ​​foram perdidos em pouco tempo”, disse. “Nenhum país poderá enfrentar individualmente as ameaças sistêmicas da atualidade. É apenas permanecemos unidos que conseguiremos superá-las. Nossa região possui trunfos sólidos para fazer face a esse mundo em transição”, acrescentou.

Lula destacou as potencialidades da América do Sul na transição energética, produção de alimentos, desenvolvimento industrial, promoção da paz e como grande mercado de consumo.

Propostas

Em seu discurso, o presidente brasileiro fez também uma série de propostas para serem sustentados ao longo do dia e acreditados pelos líderes em suas iniciativas:

– colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social, mobilizando os bancos de fomento como Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Fundo Financeiro para Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata), o Banco do Sul e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);

– assegurar a identidade sul-americana também na área protegida, mediante mecanismo de compensação mais eficiente e a criação de uma unidade de referência comum para o comércio, dependência de moedas extrarregionais;

– implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e desburocratizando os procedimentos de exportação e importação de bens;

– ampliar a negociação de cooperação de última geração, que envolve serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de concorrência;

– atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), reforçando a multimodalidade e priorizando os de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões de fronteira;

– desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do clima;

– reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, que nos permitirá adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer nosso complexo industrial da saúde e expandir o atendimento a carentes e povos indígenas;

– lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia, que assegure o abastecimento, a eficiência do uso de nossos recursos, a estabilidade jurídica, preços justos e sustentabilidade social e ambiental;

– criar um programa de mobilidade regional para estudantes, investigadores e professores do ensino superior, algo que foi tão importante na consolidação da União Europeia; e

– assumir a cooperação na área de defesa com vistas a dotar a região de maior capacidade de treinamento e treinamento, intercâmbio de experiências e conhecimentos em matéria de indústria miliar, de doutrina e políticas de defesa.

Encontro bilateral

Ontem (30), o primeiro chefe de governo sul-americano a chegar à capital federal foi o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que fez uma reunião bilateral com o presidente Lula, no Palácio do Planalto. O encontro marcou a retomada das relações entre os dois países; Maduro volta ao Brasil após oito anos. Por divergências políticas e ideológicas, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro cortou relações diplomáticas com a Venezuela, que foram oficialmente retomadas na atual gestão.

Lula avaliou que a reconstrução das relações entre Brasil e Venezuela é plena e, entre outros temas, defendeu que os países da América do Sul recuperem o conselho de defesa da região, dedicado à cooperação para a segurança nas fronteiras.

Ainda não há confirmação se Lula fará reuniões bilaterais com outros líderes sul-americanos.



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