Bibiano Garcia é filósofo, professor da rede pública municipal. É ex vereador de Manaus e ex secretário executivo adjunto de educação. É missionário leigo redentorista e ministro extraordinário da Palavra e da Sagrada Eucaristia.
Está no Decreto Federal nº 52.682, de 14 de outubro de 1963: “Para comemorar condignamente o Dia do Professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo participar os alunos e as famílias”. Eis aqui a essência e a razão do feriado do dia dos professores.
Esse reconhecimento é fruto de um histórico de lutas e união dos professores ao longo de décadas e décadas. Porém, ainda não reconhecidos de forma justa. O dever inicial do profissional da educação, por exemplo, seria o de fazer com que estudantes aprendessem a ler, escrever, realizar as operações matemáticas, além de outros conhecimentos tidos pela sociedade como básicos para o desenvolvimento de um ser humano, ainda orientar os que estão graduando nas universidades ou mesmo concluindo doutorados. Porém, muitos de nós vamos além e acabamos como mediadores de conflitos familiares, as vezes dando uma de psicólogos ou conselheiros, atentos para possíveis distúrbios como déficit de atenção, com ou sem hiperatividade, atentos aos casos de violências praticados contra crianças e adolescentes, devendo imediatamente acionar as autoridades competentes sob o risco de cumplicidade como o crime, e nada disso é exatamente a nossa função. Mesmo assim, muitos de nós, professores, o fazemos.
No Amazonas somos uma categoria fragilizada. Além da pandemia, ainda sofremos pela desunião, divididos pelas notícias falsas, vaidades ou interesses individuais de lideranças, sejam essas sindicais e/ou de movimentos independentes, ou até mesmo de indivíduos fora da categoria. Assim, vivemos avanços ou vitórias, retrocessos ou derrotas que vão desde o Brasil Colônia até os dias de hoje.
Como parte desses avanços, lembremos que em 1827, mais precisamente dia 15 de outubro, Dom Pedro I criava o Ensino Elementar (hoje, ensino fundamental) obrigando que todas as vilas e lugarejos tivessem suas escolas de primeiras letras. O Decreto regulamentava desde a descentralização do ensino, a regulamentação do salário dos professores, as matérias básicas que todos os alunos deveriam aprender, até sobre como os professores deveriam ser contratados.
Foi um tempo em que ensinávamos aos meninos a leitura, a escrita, as quatro operações de cálculos e as noções mais gerais de geometria prática. As meninas estavam excluídas das noções de geometria. Elas aprenderiam as prendas, tais como: costurar, bordar, cozinhar, e outros, para a economia doméstica. Já, nessa época, era um tempo de trabalho estafante. O segundo período semestral, por exemplo, ia do dia 01 de junho a 15 de dezembro, com apenas 10 dias de férias em todo o período.
Foi nesse contexto que um grupo de profissionais teve a ideia de estabelecer um dia dedicado especialmente aos professores. Um deles é autor da frase que deu luz ao título desta coluna, professor Samuel Becker: “Professor é profissão, educar é missão”.
Becker, em referência ao decreto de Dom Pedro I, dita a referida frase em 15 de outubro de 1947, levando a ideia de organizar um dia de folga, para amenizar a pesada fadiga. A data também serviria para se analisar os rumos do restante do ano letivo. Neste dia alunos e professores se encontraram para uma pequena confraternização. A celebração espalhou-se pela cidade e pelo país nos anos seguintes, até ser oficializado nacionalmente como feriado escolar pelo Decreto Federal 52. 682, de 14 de outubro de 1963, assinado por João Belchior Marques Goulart.
De lá pra cá, quantas conquistas poderíamos comemorar? Mesmo em um país com profundas desigualdades socioeconômicas como nosso Brasil, podemos citar alguns avanços na educação: o Concurso Público; o Plano de Carreira; a Lei do Piso Salarial Nacional; o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica – FUNDEB que foi implementado em 2007 e passou a ser o principal mecanismo de financiamento da Educação Básica; a Lei que garantiu a Educação obrigatória e universal de 2013; o Plano Nacional de Educação que estabelece metas e planejamentos a longo prazo (2014 a 1014); a Lei que garante 1/3 de carga horária para planejamento; e em 2017 é aprovado a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Fiquemos por aqui. Todas essas conquistas se deram a partir da união de cada profissional da educação.
Para além das conquistas citadas, acredito que a educação como um todo precisa ser pensada como um caminho para preparar nosso país para enfrentar problemas presentes e futuros, sem dependência de países estrangeiros. Sem educação pública de qualidade fica difícil construir um país soberano. Para isso, além de recursos para custear salários dignos, é preciso investimento em estrutura, em pesquisa e tecnologia.
Infelizmente vimos o governo federal fazer uma declaração afirmando que, devido à crise econômica, irá cortar R$ 4,2 bilhões do Ministério da Educação. Fora essa má notícia ainda temos a queda na arrecadação de impostos, que são repassados para a educação, podendo ser retirados R$ 31 bilhões das escolas municipais e R$ 28 bilhões das estaduais.
Além da perspectiva de menos dinheiro, o Ministério da Educação, em menos de 1000 dias de mandato do presidente Jair Bolsonaro, trocou quatro ministros, cada um com um escândalo maior que outro. O que quero afirmar é que se não houver mudanças na política educacional, os resultados positivos tão desejados nunca virão. Não existe mágica! Seguiremos como país emergente, que é um nome bonito, país emergente! Mas, na realidade, uma nação que patina na economia e que não consegue garantir os direitos coletivos e individuais presentes na Constituição. Este é um papel do governo federal. Mas isto não inibe nossa participação, ao contrário. Não consigo ver outro caminho. Por isso acredito na união daqueles que deixam de lado interesses particulares e se lançam a lutar pelo bem comum. E um desses campos de luta é o campo político. É de lá que se garantem os mecanismos para a melhoria da educação. É lá que se controla e garante a efetivação da política educacional.
Reservo estas últimas linhas para afirmar minha felicidade por ter dado o máximo que pude para contribuir com a defesa da educação, a defesa dos professores.
Lembro que tive a honra de exercer um mandato no legislativo, e segundo os jornais da época, um período de ferrenhas defesas pela melhoria da educação e de seus profissionais, inclusive o Conselho de Ética da Casa foi acionado por uma vereadora afim de que se avançasse um processo para resultar na cassação do nosso mandato. Apesar de tanta luta, não conseguimos dar continuidade devido o número insuficiente de votos para a reeleição. Faço essa lembrança por ter a certeza de que precisamos de representantes neste campo. Porém, enquanto mantivermos nossa desunião, isso nunca será possível. Particularmente antecipo que pretendo apoiar algum colega professor ou professora visto que não está em meus planos disputar uma vaga na assembleia legislativa nas próximas eleições.
Lembro ainda que já exerci o papel de secretário adjunto na secretaria estadual de educação. Luiz Castro me fez o convite de forma pessoal. Foi um momento de alvoroço e alegria pois estava em nossas mãos a missão de elaborar um Plano Estadual de Educação para os próximos 4 anos. Construímos um dos melhores nesse campo. As 20 metas iniciais abrangiam desde atenção e tratamento digno para merendeiras, auxiliares de serviços gerais e todos os demais servidores da educação, passando pela melhoria na qualidade da alimentação escolar, reforma geral de unidades educacionais, garantia do pagamento da data base e posteriores aumentos a todos os servidores e, por fim, cumprimento de leis garantidoras de uma educação pública e de qualidade, sucateada há décadas.
As adversidades, principalmente as forças ocultas de dentro do próprio governo, teimando em manter os mesmos grupos com larga experiência em suspeitas de desvios de recursos, ajudaram a naufragar esse sonho. Resistimos e tencionamos o máximo possível. Lembro do rombo de R$ 290 milhões que encontramos na Seduc advindos de serviços sem contrato e sem licitação pondo em risco até o fornecimento da alimentação escolar! Não havia dinheiro nem para o abastecimento dos carros funcionais da secretaria nos meses iniciais. O Plano de saúde estava sob o risco de ser suspenso devido dívida não paga pelo governo anterior. Segundo o Secretário da Fazenda, o que havia no cofre do governo mal dava para honrar o pagamento da data base no mês de março e garantir a terceira parcela do acordo da grave anterior na ordem de 9,38% a todos os servidores da educação. Erroneamente, o governo afirmava que estava dando aumento, desconsiderando que era uma conquista da categoria.
Todo esse quadro foi explicado aos líderes sindicais e de movimentos oposicionistas. Foram enormes os esforços que fizemos para que todos pudessem se sentar juntos ao redor da mesma mesa. A ideia era que unidos pudéssemos buscar soluções para os problemas, e avançar na melhoria da educação. Os líderes, apesar de todos os argumentos e farta documentação oficial advindos da Secretaria que controla as finanças do Estado, com cópia para todos, inclusive para o Ministério Público e Tribunal de Contas, afirmando que naquele ano seria impossível conceder a porcentagem do reajuste pleiteado de 15%, optaram por levar a categoria a greve.
A justiça, após Manifestação do próprio Ministério Público, reconheceu não haver condições de sustentação da paralização e determinou o fim da greve o que obrigou a secretaria a cumprir a decisão judicial. Líderes dos movimentos oposicionistas e do próprio sindicato, por não obterem o êxito que sabiam ser impossível para aquele momento, nos taxaram de traidores da categoria por termos que cumprir a decisão judicial. E continuaram, agora não era mais pelos 15%, era por respeito.
Após todos esses fatos, e tendo ainda a continuidade de uma base forte do governo a interferir na política educacional, nos impedindo de efetivar as devidas reformas e mantendo inclusive antigos fornecedores de serviços com suspeitas de corrupção, tivemos a dignidade de nos retirar daquele governo. Vergonha é coadunar com o que é errado! Em particular não aceitei os convites para compor outros espaços dentro da própria secretaria.
Quando questionado pelo Secretário Vicente Nogueira, na época, se gostaria de ficar e ajudar na secretaria, minha resposta foi a de que não estava lá por cargo ou salário, estava porque tinha a esperança de ajudar a implementar um projeto digno para a educação. Por ser professor retornaria dignamente para minha sala de aula. O que o fiz logo em seguida.
Aos amigos professores compartilho com dignidade esta reflexão. Não se enriquece na política ou secretaria com o salário que se ganha. Continuo com meu carrinho ano 2012, um corsa sedam 1.0 e minha casa onde resido no querido bairro de Santa Etelvina. Mas, mais que isso, guardo minha honra e dignidade de ser um PROFESSOR. Faço esse parêntese por questão de amor e respeito próprio. Esse é o legado que ninguém irá me tirar por maior esforço que faça, o da dignidade de ser um homem que trabalha com honestidade e que ama sua missão e a faz com dignidade. Assim somos todos nós PROFESSORES.
Um dos meus maiores erros talvez tenha sido o de, ao aceitar o convite para compor o quadro de adjuntos, acreditar que dariam carta branca para trabalharmos com afinco na perspectiva de ajudar a melhorar a vida dos professores e a educação como um todo, por dentro do sistema. Mas, não me arrependo de ter tentado.
Viva a Educação! Viva os Professores!