A celebração em si é mais que merecida já que servir exige dedicação, compromisso e competência. Não é missão para qualquer um.

Contudo, o ministro da Economia do governo Bolsonaro, Paulo Guedes, certo dia, comparou o funcionário público a “um parasita” e o Estado brasileiro a um “hospedeiro” que “está morrendo”. Discordo veementemente dessa afirmação.  O Brasil tem mais de 11 milhões de postos de trabalho no setor público, grande parte em áreas sociais – apenas na saúde e na educação municipais, são 2,6 milhões de vínculos trabalhistas. E a esses servidores não se pode chamar de “parasitas”.

Sabemos que o dia do Servidor Público foi criado durante o governo do presidente Getúlio Vargas e as leis com direitos e deveres dos funcionários foram instituídas em 28 de outubro de 1939, e por esse motivo o dia da comemoração desses colegas servidores. Mas, o que comemorar hoje? Se a data é dedicada ao reconhecimento da atuação do funcionalismo público que ocupa papel essencial na construção de uma sociedade justa e mais digna, por que tanto tratamento desumano a este servidor que chega a ferir sua própria dignidade?

            O tratamento que é dispensado ao servidor não faz jus à sua importância. Recordo uma conversa em 2019, quando fui adjunto na secretaria de educação, em que a secretaria da fazenda e o ministério público, declararam a não possibilidade de concessão a um reajuste de 15% pleiteado pela categoria devido o limite de gastos com a folha naquele momento específico. O que seria feito seria apenas o cumprimento da Data Base. Segundo o Secretário da Fazenda, um valor maior que a reposição das perdas inflacionárias do ano anterior iria ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mais tarde houve posicionamento da Justiça reconhecendo a impossibilidade do pagamento pleiteado e consequentemente a declaração da ilegalidade da greve e a determinação de seu fim devendo a secretaria cumprir a determinação e retomar os trabalhos.

            Afirmamos que o servidor público é um grande aliado dos gestores na prestação de serviços mais eficientes à sociedade e sem os quais seria impossível atender os anseios do povo no que tange oferecer uma educação pública e de qualidade. E que se não havia possiblidade constitucional para aquele reajuste, então que aguardássemos a entrada dos recursos do FUNDEB para fazer a aplicação do rateio, que daria o montante de cerca de 6 ou 7 mil por cadeira a cada servidor. Essa seria uma medida paliativa até recuperarmos receita e cobrir o rombo de 290 milhões deixados pelo governador Amazonino Mendes na secretaria de educação.

            Infelizmente minha permanência chegou ao ápice da insustentabilidade devido discordâncias com a dinâmica implementada pelo governo e pelas guerras hercúleas nos bastidores da política. Deixamos um Plano de Educação que, se um dia for implementado, resgatará o verdadeiro sentido de uma Educação Púbica e de Qualidade.

            Nesse contexto, vale destacar os dois papeis. O papel dos trabalhadores do Sistema Único de Saúde (SUS) no acesso e promoção de saúde pública aos brasileiros e dos profissionais da educação.

            Comprometidos com o bem-estar do outro, tanto os servidores da educação quanto os servidores do SUS fazem da profissão uma verdadeira missão! Sem medir esforços, muitas vezes, renunciam ao próprio bem-estar para garantir um pouco mais de atenção e conforto a quem precisa.

            Lembro-me de uma enfermeira, no município do Careiro Castanho, que aos finais de semana, pegava sua “canoa motorizada”, e ia visitar pacientes enfermos que não tinham condições de se deslocar até a sede do município para fazer tratamento. E não era adicionado nem um centavo a mais aos seus vencimentos, não havia auxilio par a gasolina do “motor rabeta”, nem adicional de periculosidade ou qualquer outro benefício. Como esses profissionais nos fazem falta. Mas o que os governos fazem para ajudar?  

            Contudo, servir ao próximo vem se tornando uma missão bastante árdua no SUS e na Educação. A política governamental de austeridade para corrigir “erros de gestão”, impactou de sobremaneira o presente e o futuro desses trabalhadores.

            Forçado a se adaptar a novas leis, de repente, o funcionalismo se vê diante de perdas de direitos sem precedentes, mudanças profundas nas relações de trabalho e de uma guinada na lógica do atendimento à população. A aprovação do congelamento dos gastos em saúde e educação (EC 95) e da terceirização irrestrita são exemplos de medidas que afetam o serviço público e inviabilizam o servir com qualidade, esmero e desprendimento.

            Não há outro caminho! É preciso resgatar o valor, o respeito e a autonomia do servidor público. Pela garantira do bem-estar do povo brasileiro, é necessário que as instituições brasileiras reconheçam a importância do servidor e assumam seu papel na defesa do serviço público de qualidade.

            Relembre-se que a pecha de ‘marajás’ e da propagação da categoria ser composta de preguiçosos e despreparados mais se acentuou a partir da era Collor de Mello. Infelizmente, a valorização do serviço público e do servidor, que antes eram sagrados princípios observados pelos governantes, foram gradativamente esquecidos em nome da adaptação da legislação que rege o funcionalismo público nas suas relações com o Estado.

            A pretexto da promoção de ajustes nas contas públicas, estes mesmos governos, passaram a criar obstáculos de toda ordem para desvalorizar salários, não recompor suas perdas, atrasar os pagamentos, alcançando, inclusive, os aposentados e pensionistas que retornaram a contribuir para a previdência ainda que, para tanto, já houvessem cumprido suas obrigações constitucionais. Na sequência, foram estabelecidos tetos e subtetos para a remuneração dos servidores, com critérios que agridem os mais elementares princípios da racionalidade.

            Por fim, gostaria de trazer uma manifestação do ex-presidente do STF, ministro Sepúlveda Pertence, quando da votação da reforma previdenciária: “O problema é que o funcionário público também tem direitos e isto está esquecido no país. Não entendo que se pretenda fazer uma reforma administrativa começando por destruir, por desmoralizar, por baixar a autoestima do servidor público”.

Creio que todos concordemos com a necessidade de se fazer uma ampla e profunda reforma fiscal e tributária, face às deformidades existentes no atual sistema. Porém, é injusto e desumano seguir colocando o pesado fardo nas costas dos agentes públicos, na realidade tão vítimas quando culpados por ela. Uma política salarial justa é a que equaciona custos financeiros com os ganhos sociais, daí porque não deve haver prevalência de um fator sobre outro.

Esta é uma reflexão que cabe ser posta aos governantes atuais e futuros no dia consagrado ao servidor público, à falta de motivos para comemorações pela classe.

Bibiano Garcia é filósofo, professor da rede pública municipal. Ex vereador de Manaus e ex secretário executivo adjunto de educação. É Missionário Leigo Redentorista. Ministro extraordinário da Palavra e da Sagrada Eucaristia.

Participação.

Deixe uma resposta

18 + treze =