Em meu tempo de criança, meus pais ficavam atentos quando voltávamos para casa vindos ou da escola, ou das brincadeiras dos finais de tarde, ou mesmo do trabalho no campo. Ai de nós se aparecêssemos com algum objeto estranho! Além da “cipoada” tínhamos que deixar o objeto no local encontrado ou devolvê-lo à quem de direito, não importava o que fosse. Meus pais afirmavam que mesmo não tendo luxo ou riqueza podíamos ser felizes, pois “o pouco com Deus era muito, e o muito sem Deus era nada”. Foi assim parte da educação dos seus 11 filhos, meus 10 irmão
Hoje, no Dia Internacional de Combate à Corrupção, com mundo abalado por essa pandemia global que já ceifou a vida de 616 mil brasileiros, que colocou 116 milhões de pessoas convivendo com algum grau de insegurança alimentar e 19 milhões passando fome, ouvimos falar de desvios de recursos na compra de vacinas e oxigênio. Enquanto o povo sofre, parlamentares aprovam um orçamento secreto no valor de 16,8 bilhões a ser pago pelo presidente da republica aos deputados federais. Para estes, o muito com ou sem Deus ainda é pouco.
É certo permitir que a corrupção continue imperando e comprometendo os esforços daqueles que a combatem, ou pior, acabe com nossas esperanças de um futuro mais justo em que todos possam viver com dignidade?
Vemos milhares de pessoas que já não conseguem comprar uma botija de gás, abastecer o carro com gasolina ou mesmo comprar um quilo de carne. Hoje, mais que nunca, o governo precisa sair da contramão e usar as ferramentas fornecidas pela Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção para fortalecer os órgãos anticorrupção, melhorar a fiscalização dos investimentos para o estímulo da economia e aumentar a transparência e a responsabilidade na aplicação do recurso público.
Sei que alguns poderiam perguntar: – “e o que você fez quando foi vereador de nossa cidade”? Parece que estou vendo. Mas deixo, neste parágrafo, algumas ações que me custaram dois atentados dentro de minha casa, em Santa Etelvina, na mesma época em que fiscalizava a empregabilidade dos R$ 4 bilhões anuais da prefeitura oriundos dos impostos, pagos com o sagrado suor do rosto dos trabalhadores. As suspeitas de má gestão ou desvios de recursos, me levaram a entrar com representações junto ao Ministério Público do Estado (MPE), Tribunal de Contas do Estado (TCE), pedidos de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do transporte público, do Fundo de Previdência do Município (Manausprev), da aplicação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), auditoria nas contas da Manaus Ambiental, restituição aos cofres públicos pelo superfaturamento do aluguel de prédios para escolas, pedido ao TCE da suspensão da licitação dos radares eletrônicos, dentre outros. Foram ações de combate a corrupção.
Há, ainda, uma Lei em nossa cidade que obriga a prefeitura, por meio da imprensa oficial do município e sitio da internet, a divulgar os montantes de cada um dos tributos arrecadados e os recursos recebidos de outras entidades públicas. Essa lei também obriga a prefeitura a informar como foram gastos estes recursos. A emenda nº 39 consta na Lei Orgânica do Município (LOMAM ), e foi uma emenda de minha autoria aprovada quando estava no parlamento municipal.
É imperioso saber que a prática da corrupção prejudica a população, principalmente os mais pobres, pois desvia o dinheiro que seria aplicado em saúde, educação, melhoria dos transportes coletivos, habitação popular, saneamento, etc. Por outro lado, se conseguirmos avançar no combate à corrupção, podemos construir sociedades mais resilientes e voltarmos ao caminho certo para atingirmos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Não há maior alegria para um povo que pautar sua conduta ética pelos bons exemplos de seus pais e viverem o sentimento de dever cumprido. Nesse sentido, precisamos continuar lutando por justiça e permanecermos unidos contra a corrupção.
Meu pai faleceu, em 2011, aos 76 anos. Revelo nessas últimas linhas que, quando fui contra e rejeitei aquele auxílio paletó, em 2013, uma cifra na ordem de R$ 2,4 milhões distribuídos aos vereadores durante a 16ª legislatura, não estava apenas ajudando no combate aos privilégios políticos e lutando contra a corrupção, estava principalmente honrando a memória de meu pai, um simples do interior que nunca recebeu um auxílio enxada, bem como minha mãe que nunca recebera um auxílio sabão em pó.
Bibiano Garcia é filósofo, professor da rede pública municipal. Ex vereador de Manaus e ex secretário executivo adjunto de educação. É Missionário Leigo Redentorista. Ministro extraordinário da Palavra e da Sagrada Eucaristia