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Pensei escrever algo que trouxesse um pouco de esperança para todos nós que perdemos pessoas queridas para o Covid, ou amigos assassinados pela violência que impera. Uma mensagem de consolo para os desempregados, sem comida, sem trabalho, sem lar. Estava mesmo empenhado em buscar inspiração divina para esse intento. Porém, veio a virose e me pôs na cama, com dores até nos olhos. Mais tarde, leio a notícia de que o assassinato de um querido amigo se deu por encomenda, e que a mandante do crime havia sido a irmã de seu sócio, que mandou executar inclusive o próprio irmão. Pensei: – “esse mundo está perdido”! Em seguida lembrei de Caim que matou Abel, seu próprio irmão. Que mensagem de esperança é essa que quer ainda brotar de meu dolorido coração? É justamente pela necessidade e o desejo de mudanças e de dias melhores pra sempre!

Querer um feliz 2022 sem buscar corrigir e superar o que outrora fora um erro em 2021, é como alguém que quer sempre estar limpinho e cheiroso sem querer tomar banho todos os dias. Se queremos mesmo que tudo mude para melhor precisamos agir como aquele que toma banho todos os dias! A ato da mudança não se dá por uma “magia milagrosa” do tipo: “Vou passar a virada do ano de roupa amarela para atrair dinheiro”. Se eu não poupar, nunca terei dinheiro e nunca conseguirei tirar o nome do SPC ou SERASA. Outros podem pensar que usando uma cueca vermelha ou, no caso das mulheres, uma calcinha vermelha, irão atrair um amor. Se quero amor, tenho que ser amor. Se quero dinheiro tenho que trabalhar, saber lidar com ele, e principalmente, saber ganha-lo honestamente.

Se além da casa própria, do carro novo, da comida na mesa, do curso superior, eu quero um Brasil melhor, então terei que arregaçar as mangas para isso acontecer. Mesmo que eu tenha a maior força de vontade, nunca verei e viverei a concretização de meus sonhos se não fizer algo agora de fato para que eles aconteçam!

Se não estou satisfeito com a vida que levo hoje, estaria eu disposto a buscar a mudança? Sei que é difícil mas terei que aprender. Não dá para querer que tudo mude para melhor, se eu próprio não estou disposto a mudar para melhor. Como justificativa para não mudar, muitos recorreram a tradição. “É assim, porque sempre foi assim”. Como se não bastasse a tradição, outro mecanismo de fuga para a mudança, como uma forma de sobrevivência, é o medo. O medo é prudente, pode ser uma virtude quando nos impede de cometer os exageros. Mas o excesso de medo para a mudança chama-se covardia.

Se é verdade o que os geneticistas afirmam, temos apenas 5% de liberdade em nossos atos, o resto é genética. Já os seres animais, tidos como irracionais, seguem um código genético. Leandro Karnal usou como exemplo para este caso as abelhas. Elas são exclusivamente guiadas pela genética. Disse ele: “Uma abelha não amanhece republicana dizendo: – vamos derrubar essa rainha que não faz nada!”. A questão é: E eu que quero mudanças, o que faço com meus 5% de liberdade?

Nós somos livres, o livre-arbítrio é uma profunda característica do ser humano. Sou livre para me construir, reconstruir ou mesmo me autodestruir. Todo vício reduz minha liberdade, sejam as drogas, o álcool, a netflix, o celular e até o sexo. Qual hábito quero criar, o que me liberta ou o que me destrói? O habito, diz Aristóteles, é uma segunda natureza. A genética existe mas não nos condiciona abertamente. A cultura existe e eu estou inserido dentro de uma cultura, que me exige um padrão de comportamento. Como, portanto eu posso fazer algo diferente? Como eu consigo isso? Seria fazendo as coisas de qualquer forma?

Eu, Bibino, gosto e até canto as músicas do Legião Urbana, porque as músicas da banda me remetem a minha adolescência e eu as considero melhor que as músicas dos Mamonas Assassinas. Mas, meu pai considerava Waldick Sorian melhor que o Legião urbana. Nós gostamos daquilo que nos remetem a nossa zona de tranquilidade, de segurança e conforto. Se por um lado a zona de conforto me acalma, por outro lado ela não exige de mim o melhor que eu possa dar. Apenas a crise, a inconstância, apenas o problema é que faz com que eu acabe produzindo mais. É exatamente a crise que revela quem verdadeiramente eu sou, a crise que transforma as pessoas, é a crise que me tira da zona de conforto. E é justamente a zona de conforto me afasta do sucesso.

Um amigo me dizia que sucesso era ganhar muito dinheiro, pode ser. Mas, o sucesso eu entendo como o da dona de casa, ou do intelectual, do empreendedor, do religioso, que possuem um objetivo e o querem atingir. A perfeição da alma, o acumulo de dinheiro, a felicidade da família, etc, devo compreender que não os atingirei se não me livrar da zona de conforto. Quem não quer obter sucesso? Todos querem o sucesso mas, muitos não sabem qual a escolha certa a fazer. Outros dizem que ele chegará no tempo certo, no futuro. Mas quando chegará esse momento chamado futuro? Outros dizem que será tudo no tempo de Deus. Eu também creio que sim, mas o que eu estou fazendo para ajudar?

Santo Agostinho nos ensinou que a sucessão de tempo é um presente quase contínuo. Não consigo perceber o futuro porque sempre estou no presente, e o passado é sempre uma memória que só existe na memória. Então me pergunto: – quando chegará o futuro? O futuro não chegará porque eu sempre estou no presente. O presente é o meu presente, eu vivo permanentemente no presente, e esse momento presente que vivo neste dia 31 de dezembro de 2021 só acontece porque eu tive um passado. Ou seja, eu hoje, Bibiano, em 2021, sou o futuro do Bibiano de 1994, quando eu estava entrando para o seminário redentorista na perspectiva de ser um padre. Mas agora me encontro escrevendo essas reflexões porque tive uma experiência no passado.

Por isso penso que o futuro sempre será futuro, mas o que verdadeiramente existe é o que eu faço hoje. Este hoje é o que prepara o outro presente. Eu, Bibiano, estou nesse momento escrevendo mas, eu não entrei em uma faculdade achando que um dia iria escrever para um portal de notícias. Não estudei prevendo que um dia teria a honra de ser um missionário leigo redentorista, ou um Ministro da Palavra e da Sagrada Comunhão Eucarística, ou um dia servir ao meu povo como vereador de minha cidade, ou um secretario adjunto de educação de meu Estado. Mas, cheguei a esses espaços porque eu tomei decisões no passado. Ou seja, o presente é cultivado por decisões do passado. Não existe o ponto final. Em cada lugar que chegarmos haverá um novo desafio, uma nova questão a vencer. Nunca iremos chegar ao ponto final, não sabemos nem se estaremos vivos daqui a 10 anos.

Podemos não saber nosso futuro, mas tenho a capacidade de planejar e executar esse meu presente. Por passado eu entendo a experiência que me trouxe até este último dia deste ano de 2021. Por presente entendo o momento de estar aqui, escrevendo, e você lendo. Alguns estão acamados, outros na igreja, outros em um bar, ou seja essa é uma ação. O que for decidido por você irá marcar o presente de amanhã que será o seu futuro. É essa antecipação que os gregos chamam de estratégia, ou seja, a capacidade de eu me antecipar. É a capacidade do que pode me acontecer e me preparar par isso.

E se eu errar em minhas escolhas? Bem, precisamos lembrar que o erro é parte da espécie humana. Não há ser humano que não erre. Cada erro fere o meu orgulho, a minha vaidade, fere aquilo que me torna soberbo. Por tanto não nos culpemos por não atingirmos a perfeição.

Sem querer encerrar essa reflexão, preciso compreender que eu tenho que tomar decisões a todo o instante, que preciso sair dessa acomodação que me paralisa. Preciso entender que eu sou o protagonista de minha vida. Não é o outro que deve fazer por mim, sou eu. A história me mostrará milhares de exemplos de protagonistas, pessoas que saíram da sua zona de conforto, e implantaram uma mudança extraordinária em suas próprias vidas, na comunidade, na cidade, no país. Pessoas comuns que superaram crises, que tem a consciência de olhar além do horizonte, além do horizonte imediato, além das coisas limitadoras do momento.

Por fim, recorro a Sartre que nos dizia que não importava o que a vida tenha feito comigo, importa o que eu faço daquilo que a vida fez comigo. O custo de tudo é o esforço, não o esforço de um dia, não o esforço de fazer uma vez, mas o esforço diário, cotidiano. É como o banho. Tomou hoje? Que bom, estou limpinho e cheiroso, mas amanhã devo tomar novamente. Assim, creio que construirei a cada dia um futuro melhor que meu presente.

Feliz 2022!

Bibiano Garcia é filósofo, professor da rede pública municipal. Ex vereador de Manaus e ex secretário executivo adjunto de educação. É Missionário Leigo Redentorista e Ministro extraordinário da Palavra e da Sagrada Eucaristia

Participação.

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